terça-feira, 22 de junho de 2010

Quê se passa no Quirguizistám?



«O nosso interesse polos conflitos desce quanto mais para leste e mais para sul se registarem aqueles. Se a Bósnia levantou muita atençom, a Chechénia – dous mil quilómetros para oriente – poucas primeiras planas tem levado, ao tempo que ninguém lembra que a república ex-soviética do Taiquistám, outro par de milhares de quilómetros para leste, foi cenário de umha sanguenta guerra civil entre 1992 e 1997», Carlos Taibo[1].

O coraçom do heartland

Recentemente tem ocupado algum espaço no espaço de (des)informaçom internacional dos média os conflitos étnicos do Quirguizistám. Umha informaçom mínima que nom permite sem maiores pescudas formar-nos umha ideia, ainda que seja sucinta, sobre o que se passa naquela ex-república soviética[2].

Os geógrafos políticos do Sacro Império Romano deram pé mediante o empuxe da orde teutona no Drang nasch Osten a umha expansom germana cara o leste, séculos antes de que Adolf Hitler e os chefes nazis falaram do Lebensraum ou mais modernamente o desenho dumha Mitteleuropa através da Eurolándia. Nesta mesma linha geopolítica insire-se a teoria do británico Harold Mackinder que iniciou a teoria do heartland (ou zona central) na Eurásia e que seria, segundo este autor, o eixe sobre o que giraria o domínio do mundo:

«Quem governar Europa Central dominará o heartland;

quem governar o heartland dominará a ilha mundial;

quem governe a ilha mundial dominará o mundo».

Ainda que enunciadas assi as máximas nos lembrem mais ao romance de Orwell do que a um tratado de geopolítica a heartland segue a ser esse espaço de Ásia Central em que o imperialismo americano se bate contra os interesses a Rússia e a China. A própria guerra do Afeguenistám, para a que o secretário de Defesa Robert Gates se nega a pôr data de remate, enquanto Obama recolhe o Nóbel da Paz e reforça a sua presença militar no coraçom da Ásia. A estratégia dos EUA no heartland é bem simples: espalhar por todos os países de Ásia Central progressivamente a “guerra contra o terrorismo” e pola “segurança nacional”, cujo alvo fundamental é garantir o controlo dos recursos naturais e, em especial, o vale de Fergana repartido entre Uzbequistám e Quirguizistám.

Se bem na actualidade a importáncia do heartland nom se localiza já apenas em Ásia Central como na Época do Império Británico, mas em toda a Eurásia – por exemplo os recursos petroliféros do Iraque, a Arábia Saudita ou o Irám, a zona segue a ser dumha importáncia fulcral no conjunto do «grande tabuleiro mundial». Casaquistám, Quirguizistám, Taiquistám, Uzbequistám, Afeganistám, Paquistám, Cachemira, Xinxjiang (Oriente Médio) e Oriente Próximo som o tabuleiro onde a China e os EUA, e a Índia e a Rússia em menor medida, movem as suas peças fundamentais da geopolítica (sem esquecermos a África para os dous primeiros e o papel do Japom, Israel, o Taiwan e a UE como agentes subalternos dos EUA)[3].

O Quirguizistám é um estado de cinco milhons de habitantes que limita com a naçom iugur polo leste, que sofre a opressom do Estado chinês, como os recursos petrolíferos do Casaquistám polo norte com Uzbequistám polo oeste e com Taiquistám polo Sul. De facto, o vale de Fergana de importantíssimos recursos naturais e energéticos reparte-se entre o Quirguizistám, o Uzbequistám e o Taiquistám. A geografia de Quirguizistám é muito acidentada, com 65% da superfície ocupada polas cadeias montanhosas de Pamir e Tiam Siam, e 90% do território está por cima dos 1500 metros de altitude com um clima de oscilaçons térmicas extremas e invernos especialmente frios e duros. O idioma oficial segue a ser o russo, se bem som numerosas as línguas locais dependendo dos diferentes grupos étnicos.

A economia baseia-se na agricultura (um terço do PIB) e na extraçom de outro, carvom, gás e petróleo. Os jacimentos de uránio e antimónio som tamém consideráveis e a estimaçom das reservas de carvom da mina de Cara-Queche som de 2500 toneladas. Lembremos que o carvom é um piar ainda fundamental da produçom energética chinesa:

«A demanda de carvom na China e na vizinha Índia, que segue um caminho semelhante, representará mais de dous terços do aumento da demanda mundial deste combustível. Em 2050, mais dum terço da energia consumida pola China e os seus vizinhos procederá do carvom»[4].

Em 1997 iniciou-se a exploraçom da mina de Qumtor, um auténtico Potosí, propriedade da agência nacional Kyrgyzaltyn, dona de todas as minas do estado, que até o derrocamento do presidente Kurmanbek Bakiyev era presidida polo seu filho Maxim Bakiyev e gerida pola canadiana Centerra Gold Inc., cujo principal accionista segue sendo precisamente a Kyrgyzaltyn, se bem agora a propriedade da mina é já a empresa canadiana. De facto, entre os clans do norte e a étnia maioritária nom gostou nada que a administraçom fora progressivamente ocupada pola família de Bakiyev e os seus clans aliados do sul[5].

Um último elemento e, quiçais o mais importante, deve ter sido em conta. A existência de bases americanas e russas no seu território, único país do mundo em que se dá isto. Concretamente o Estado de Quirguizistám conta com a gigantesca base da US Force em Manas aberta tam só três meses após de que o governo Bush declara a sua “democratíssima” cruzada contra o terrorismo, em setembro de 2001. Manas é, portanto, o surtidor aéreo norte do Afeganistám e fundamental para assegurar a presença americana nesse ponto estratégico, tanto polos gaseodutos do gás, como polas imensas reservas de lítio que tem o Afeganistám, assi como pola sua situaçom geoestratégica a respeito da China, da Índia e ainda da Rússia e do Paquistám.

Isto provocou que perante a crise que trouxo consigo a queda de Bakiyev a própria Hillary Clinton advoga-se polo diálogo entre a oposiçom, composta por ministros da camarilha de Bakiyev fartos das suas corruptelas e nepotismo, e Bakiyev, financiado polos EUA[6]. Em Ocidente existe umha teima já clássica de imputar os sucessos que levárom a queda de Bakiyev à acçom do governo russo, silenciando interessadamente as manobras imperialistas ianques na zona, que nada tenhem a ver com a defesa da democracia e os direitos humanos. É a mesma música que se aplica à hora de denunciar hipocritamente a actividade das três grandes petroleiras chinesas sem reparar que quando menos elas investem em infrastruturas no Tchade e no Sudám algo que nem de longe fam as humanitárias e defensoras da democracia BP[7] ou Shell.

Rússia, China e os EUA: a proliferaçom de estados falidos perante a recrudescência da luita pola hegemonia económico – energética mundial.

Os média descrevem o acontecido no Quirguizistám como um simples episódio de violência étnica sem apresentar antecedentes nem causas, como se a conflituosidade social se desenvolvera da noite para a manhá. Tentárom fazer o mesmo na Grécia apresentando a morte dum moço como a causa das explosons de raiva popular mais importante em decénios. A outra estratégia é procurar o velho saca-untos russo e acusá-lo de instigar umha versom em negativo das avondo cacarejadas “revoluçons de cores”, todas elas apoiadas polos EUA, começando pola das rosas de 2003 em Geórgia, continuando pola laranja de 2004 na Ucraína e seguindo em 2005 pola dos tulipas que levou ao poder ao próprio Kurmanbek Bakiyev[8] e que contou com a habitual presença das “ONGs” usa-americanas como a USAID tristemente célebres já por toda a parte.

Estas “revoluçons” sui generis nom som mais do que contrarrevoluçons ultraliberais para converter estados soberanos em mercados indefesos perante a ofensiva mundial do capitall-financeiro. Em 2009 Bakiyev revisou a Constituiçom para permitir a instauraçom dumha “democracia dinástica” colocando a membro da sua família nos postos cimeiros da administraçom e convertendo-se na oligarquia local que permitia a rapinha das potências ocidentais. A doutrina do shock ultraliberal nom se fixo esperar: mais de 40% da populaçom por debaixo do umbral da pobreza, suba dos impostos a pequenas e medianas empresas, novos impostos às telecomunicaçons (quadriplicando-se os preços) e privatizaçom de numerosas empresas públicas (entre estas a maior eléctrica do estado vendida a membros da sua família por um valor inferior ao 3% real da empresa e cuja consequência fundamental foi o encarecimento da electricidade no duplo e do gás cidade num 1000%).

Portanto, as reacçons da cidadania, para além de estarem justificadas totalmente, eram previsíveis, mas isto nom deve acochar como as grandes potências a empregam para submeter o estado sob os seus domínios. A oposiçom a Bakiyev encabeçou-na umha velha conhecida do regime soviético e na altura membra do PC, Rosa Otumbayeva, antiga ministra do governo de Bakiyev, e líder do governo em funçons que fechou em abril de 2010, após violentos protestos, a era Bakiyev, agora exilado em Bielorússia.

A Rússia, tradicionalmente mui relacionada com estes estados asiáticos, foi o primeiro estado do mundo em reconhecer o novo governo de Otumbayeva e quase consegue a retirada da base norte-americana de Manas a cámbio de ajuda económica, até que o governo dos EUA fixo o mesmo para manter-se nesta regiom de vital importáncia[9]. Otumbayeva, que participou como assistente de Kofi Annan nas Naçons Unidas, comprometeu-se a mudar a Constituiçom e convocar eleiçons em seis meses antes de que a violência étnica entre o Norte e o Sul se disparara, segundo alguns vozeiros pola acçom dos partidários de Bakiyev e, realmente, pola promoçom de grupos de oposiçom interna que respondem aos ditames dumha ou outra potência. A este respeito o primeiro ministro russo, Dimitri Medvedev, afirmou que o risco de ver ao estado fragmentado em duas partes era real alertando da possível afeganistanizaçom do país, que polo de pronto já gerou um auténtico drama de exilados e refugiados da minoria étnica perseguida.

Finalmente, nom se deve esquecer o papel da China na regiom, sem ir mais longe o Quirguizistám é membro da Organizaçom do Tratado de Cooperaçom de Shangai e, para além disso, a inestabilidade neste estado seria funesta para os seus interesses energéticos, geoestratégicos e ainda em política interior poderia recrudescer a insurgência iugur. Está claro que o Oriente Médio é agora o principal cenário para um novo conflito bélico junto ao Irám. As intervençons de momento, tanto de Rússia, como dos EUA ou de China, estám seguindo o curso de aproveitar dissensons internas e chantagear economicamente esses estados. O drama humanitário e econlógico nom está na agenda dum conflito que nos colhe muito longe aos democratas europeus.

A luita entre as potências do “grande tabuleiro mundial” está pronta. A conformaçom de blocos, alianças e estados falidos subalternos será cada vez mais frequente e profundo até umha mais que provável conflagraçom militar de carácter mundial como Petras, Ramonet e outros autores tenhem já insinuado.


[1] Carlos Taibo (2006), Misérias da globalizaçom capitalista, Compostela: Abrente Editora, pp. 58.

[3] Zbiegniew Brzezinski (1998), El gran tablero mundial, Barcelona: Paidós, pp. 39-63.

[4] Paul Roberts (2010), El fin del petróleo, Barcelona : Público – Biblioteca Pensamiento Crítico, p. 355.

[7] É bem conhecido o desastre provocado no golfo de México por esta petroleira. Criticada até nos jornais de certa difusom: “El pueblo contra BP” (Público, 11-6-2010, pp. 34-35).

[8] Nom convém esquecer a “revoluçom” verde do Irám, que ainda que fanada, constitui umha prova da capacidade de ingerência do imperialismo no seio de qualquer estado soberano segundo convenha aos seus interesses.

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